domingo, 6 de agosto de 2017

O Marisco



O marisco povoa o imaginário da música de baile à conta do seu gostinho apetitoso que a todos delicia. Mas não é apenas nas artes do paladar que estas iguarias fazem sucesso. Há um certo encantamento nelas, um je ne c’est quoi que, citando o tio Quim, “faz crescer o lingueirão”
“Dá três beijos na amêijoa, mais dois no berbigão, umas cocegas na conquilha, faz crescer o lingueirão” – Mariscada, do enorme Quim Barreiros, incluída no seu álbum de 1998 “na internet”. O marisco - do búzio ao camarão - é proverbialmente celebrado pelo efeito afrodisíaco que provoca nos seus comensais. A música de baile homenageia as propriedades mágicas do marisco, louvando essa graça concedida aos pobres dançadeiros que menos vigor possuem no amago do seu ser. E que, infelizmente, pela quantidade de canções dedicadas ao tema, não hão de ser poucos.
Mas a atenção a este assunto não é de agora.
Regressemos a 1931, ao Parque Meyer, para ouvir Beatriz Costa na revista “O Mexilhão” cantar o efeito revigorante de uma frequentemente esquecida variedade de marisco, conhecida pelos académicos como Littorina littorea, e vulgarmente apregoada nas praças deste país como caramujo, burgau, ou, como toda a cidade de Lisboa cantou durante os oito meses que a peça esteve em cena no Teatro Variedades, o burrié:
«Quem os não manduca, truca truca bazaruca, tudo chupa o burrié». Na canção que ouvimos, com a voz de xxx nesta versão editada pela Rádio Renascença, a vendedora fala ainda de uma “velha pintada que pedidos tem havido, está tão bem conservada, que conserva dois maridos”. Imaginem, pois, quão espremidos devem ser os esforços daqueles senhores para, na sua avançada idade, satisfazerem o apetite voraz da sua abelha rainha.
Pois bem, um senhor mais industrioso descobriu no caranguejo uma fonte nutritiva de riquíssimo valor. Mas não foi na carne do bicho que o encontrou. Para conseguir este dom da juventude, o elixir que dá pujança e vitalidade, admitamos, há quem chupe coisas bem nojentas. De novo Quim Barreiros, que agora nos traz no mesmo prato crustáceos e escatologia, com o “Caranguejo”, tema do álbum “Deixa botar só a cabeça”, de 1993.
A edição número 100 da revista literária inglesa Granta é dedicada ao Sexo. Na capa, que ficou célebre (concebida pelo director artístico Michael Salu) está um porta-moedas aberto de par em par, os folhos cor-de-rosa desalinhados, que deixam adivinhar deliciosos segredos, acedidos através de uma reentrância intima e delicada. A metáfora visual é uma obra de génio. Só a suplantaria se, em vez da carteira, lá estivesse um bivalve suculento: uma amêijoa, bem fresca e lavadinha.
A amêijoa da Rosinha é um pitéu revigorante. Lançada em 2015 num álbum com o mesmo nome, vem das águas frias do Atlântico, cresce solta nas areias da ria e é colhida e tratada com todo o cuidado. Isto é importante. Às vezes, mariscos de terceira categoria, engordados em aquários pestilentos, chegam às nossas cozinhas sem brilho, sem graça, e sem deixar adivinhar quão venenosas essas criaturinhas se tornaram em tantas trocas e baldrocas.

Foi o que aconteceu à nossa Luciana Abreu, certa noite, quando depois de um jantar de camarões, a sua cara “se ha puesto roja, se le palpitó el corazón”, “su cuerpo empiezo a sudar”. Coitada, achava que era a líbido fervilhante que a arrebatava de calores, afinal era uma reacção alérgica. E nesta confusão picante e potencialmente letal, se prova o efeito afrodisíaco do marisco: mais do que um poderoso estimulante do vigor do corpo, é sim o indutor das mais luxuriantes fantasias que as nossas mentes conseguem engendrar.