sábado, 28 de fevereiro de 2015

Anjinho desamparado

O fenómeno de Júlio Miguel e Lêninha, no panorama de revivalismo musical, foi o principal responsável pelo início da aventura que muitos inexperientes neste mundo alternativo começaram. A verdade é que apesar de muitos conhecerem a dura realidade do rapaz que vê seu pai na prisão e sua falta sente, poucos conhecem a razão pela qual tal coisa se sucede, e ainda são menos os que sabem o que a isto levou na construção da personalidade de Júlio.
Hoje fazemos o papel do assistente social que falhou redondamente para com esta criança de cabelos semelhantes aos do Deus menino deitado, e choraremos, choraremos por termos falhado enquanto sociedade para com esta criança, hoje homem, que merecia um futuro muito melhor.

Todos conhecemos a história: Júlio vive a vida de uma criança abandonada, uma criança que vê a sua figura paterna, cimento de toda a sua construção de valores, presa nas grades da prisão. Como filho cegamente apaixonado por seu pai, Júlio é o único que o compreende, o único que nele acredita e assume os riscos que daí advém, não tem medo de assumir que é e sempre será o filho do "requeluso". 
Mas a história adensa-se aquando a chegada em cenário de sua mãe, mulher que assume ter sido muito amada e mal tratada por este criminoso responsável por ter atrofiado (aquela palavra que fica sempre bonita em qualquer cantiga) a vida desta família. Com a chegada da mãe de Júlio e Leninha, chega também a amante, a responsável pelo fim do casamento e da estabilidade emocional deste pobre jovem, jovem este - e preparem-se corações mais fracos - que nasceu já depois do divórcio. "Vivendo a vida sem brilho, depois nasceu o meu filho, do homem que eu tanto amei. Pelo teu pai fui desprezada, pelo teu pai recompensada, hoje sou uma feliz mãe." assim canta a Mãe de Júlio em agradecimento pelo seu nascimento na cantiga "Mãe Perdoa meu pai". Júlio, que tinha idade para brincar com legos, ouvia com compaixão a história da vida dos seus progenitores, e a empatia é notória no tom da sua voz ao entoar no refrão aquela mais linda palavra que nos pariu a todos. E, iludido pela imagem de família perfeita, pede a seu pai para deixar a outra mulher e voltar para eles. Entre louvores, gemidos e algo parecido com grunhidos, implora a sua mãe que perdoe seu pai, coisa que ela acaba por aceder da forma mais altruísta possível "Para o bem da tua vida , vou perdoar o teu pai".
As lágrimas por esta altura já não se controlam - é impressionante a forma como este pequeno petiz consegue tocar os nossos corações com a bondade que reside no seu. No entanto todos lhe falharam e algo aconteceu para Júlio deixar de prestar atenção às aulas da catequese e se ter rendido aos prazeres mundanos da carne. "Vamos ver à praia as boas pernocas, vamos ver à praia as boas mamocas" canta alegremente, possivelmente enquanto degusta um chocolate Regina. Em "Pernocas e Mamocas" assume-se como uma criança, ainda nova é certo, mas que já tem idade para gostar de ver as raparigas na praia a correr e a nadar. Sabe que ainda é miúdo, mas quando as vê, ele fica graúdo. E assim esta criança começa a percorrer os caminhos sinuosos que levaram à desgraça de seu pai. Filho de peixe sabe nadar, escrevia a assistente social no relatório de Júlio Miguel.
Agora que já sabem a história, choram a tragédia e culpam-se dos males desta sociedade, este é o momento de meter o dedo na ferida: durante todo este tempo, onde raio é que se meteu a Leninha?


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