O marisco povoa o imaginário da música de baile à conta do
seu gostinho apetitoso que a todos delicia. Mas não é apenas nas artes do paladar
que estas iguarias fazem sucesso. Há um certo encantamento nelas, um je ne
c’est quoi que, citando o tio Quim, “faz crescer o lingueirão”
“Dá três beijos na amêijoa, mais dois no berbigão, umas
cocegas na conquilha, faz crescer o lingueirão” – Mariscada, do enorme Quim
Barreiros, incluída no seu álbum de 1998 “na internet”. O marisco - do búzio ao
camarão - é proverbialmente celebrado pelo efeito afrodisíaco que provoca nos
seus comensais. A música de baile homenageia as propriedades mágicas do marisco,
louvando essa graça concedida aos pobres dançadeiros que menos vigor possuem no
amago do seu ser. E que, infelizmente, pela quantidade de canções dedicadas ao
tema, não hão de ser poucos.
Mas a atenção a este assunto não é de agora.
Regressemos a 1931, ao Parque Meyer, para ouvir Beatriz
Costa na revista “O Mexilhão” cantar o efeito revigorante de uma frequentemente
esquecida variedade de marisco, conhecida pelos académicos como Littorina
littorea, e vulgarmente apregoada nas praças deste país como caramujo, burgau, ou, como toda a cidade
de Lisboa cantou durante os oito meses que a peça esteve em cena no Teatro
Variedades, o burrié:
«Quem os não manduca, truca truca bazaruca, tudo chupa o
burrié». Na canção que ouvimos, com a voz de xxx nesta versão editada pela
Rádio Renascença, a vendedora fala ainda de uma “velha pintada que pedidos tem
havido, está tão bem conservada, que conserva dois maridos”. Imaginem, pois,
quão espremidos devem ser os esforços daqueles senhores para, na sua avançada
idade, satisfazerem o apetite voraz da sua abelha rainha.
Pois bem, um senhor mais industrioso descobriu no caranguejo
uma fonte nutritiva de riquíssimo valor. Mas não foi na carne do bicho que o
encontrou. Para conseguir este dom da juventude, o elixir que dá pujança e vitalidade,
admitamos, há quem chupe coisas bem nojentas. De novo Quim Barreiros, que agora
nos traz no mesmo prato crustáceos e escatologia, com o “Caranguejo”, tema do
álbum “Deixa botar só a cabeça”, de 1993.
A edição número 100 da revista literária inglesa Granta é
dedicada ao Sexo. Na capa, que ficou célebre (concebida pelo director artístico
Michael Salu) está um porta-moedas aberto de par em par, os folhos cor-de-rosa
desalinhados, que deixam adivinhar deliciosos segredos, acedidos através de uma
reentrância intima e delicada. A metáfora visual é uma obra de génio. Só a
suplantaria se, em vez da carteira, lá estivesse um bivalve suculento: uma
amêijoa, bem fresca e lavadinha.
A amêijoa da Rosinha é um pitéu revigorante.
Lançada em 2015 num álbum com o mesmo nome, vem das águas frias do Atlântico,
cresce solta nas areias da ria e é colhida e tratada com todo o cuidado. Isto é
importante. Às vezes, mariscos de terceira categoria, engordados em aquários
pestilentos, chegam às nossas cozinhas sem brilho, sem graça, e sem deixar adivinhar
quão venenosas essas criaturinhas se tornaram em tantas trocas e baldrocas.
Foi o que aconteceu à nossa Luciana Abreu, certa
noite, quando depois de um jantar de camarões, a sua cara “se ha puesto roja, se
le palpitó el corazón”, “su cuerpo empiezo a sudar”. Coitada, achava que era a
líbido fervilhante que a arrebatava de calores, afinal era uma reacção alérgica.
E nesta confusão picante e potencialmente letal, se prova o efeito afrodisíaco
do marisco: mais do que um poderoso estimulante do vigor do corpo, é sim o indutor
das mais luxuriantes fantasias que as nossas mentes conseguem engendrar.
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